28 de setembro de 2010

Palestra Lipovetsky

Ontem tive o prazer de assistir a palestra sobre Pós-Modernidade no contexto da Ética e da Educação, com o sociólogo Gilles Lipovetsky.
Para quem não o conhece ele é um sociólogo francês, professor de filosofia da Universidade de Grenoble, teórico da Hipermodernidade, autor dos livros A Era do Vazio, O luxo eterno, O império do efêmero, entre outros.
Abaixo segue resumo da palestra.
Segundo Lipovetsky, a sociedade pós-moderna se formou a partir dos anos 70. Nesta época ocorreu duas manifestações que definiam a sociedade pós-moderna:
1) Falência das grandes ideologias/utopias
2) Impulso de uma nova cultura; a lógica do individualismo; culto ao presente
Surge uma Anatomia Individual e o predomínio da vida privada sobre a pública. Ocorre a busca de uma renovação incessante das coisas (a lógica da Moda=efêmero), centrado no presente.
Após os anos 80 isso se acentuou ainda mais. Por isso Lipovetsky prefere o termo hiper-modernismo, que é, segundo ele, o que estamos vivendo hoje.
Tudo é hiper: hiper-tecnológico, hiper-crédito, hiper-rápido, hiper-mercado, ...
Por que isso se tornou mais intenso? Devido a dois fatores:
1) A globalização
2) Revolução da tecnologia
A internet torna possível a troca de informações em tempo real. Isso faz com que tudo se torne mais rápido. Grandes sociedades hoje vivem de forma trimestral: precisam repassar dados, estatísticas, resultados de três em três meses.
É a lógica do presente extremo. Os radicais dizem que, por causa disso, estamos vivendo uma sociedade hedonista e problemática. Lipovetsky não acredita nisto.
Segundo ele não estamos vivenciando a morte da modernidade (por isso não usa o termo pós), estamos vivenciando a exaltação da modernidade; a hiper-modernidade.
Desde o século XVIII, a modernidade era levada de forma mais controlada: a igreja, a família, a política, as instituições educacionais freavam o ciclo da modernização. Hoje esses contrapesos ruíram, se romperam. Surge então uma modernização hiperbólica.
Não há mais tradição. E o que significa isso?
- aguçar o mercado
- mudar cada vez mais rápido
- lógica da competitividade
- religião e família se privatizaram
- culto a concorrência
- Direito dos indivíduos
- individualidade.
A sociedade hiper-moderna é formada por três tendências:
1) Lógica da tecnociência
2) Lógica do mercado/democracia
3) Lógica do indivíduo
E produz:
- anarquia de valores
- concorrência
- egoísmo
- poder do dinheiro
Dessa forma, onde está a ética?
O sociólogo enfatiza que nós não estamos vivendo o fim da moral, mas sim uma nova inscrição da moral. O pós-moral. Nossa época pôs fim não à moral, mas ao regime que conduzia a moral.
Antigamente a moral era dividida em:
1) Os valores em relação a si mesmo
2) Os valores em relação ao outro
Para exemplificar o que estava falando, Lipovetsky citou a questão do suicídio. Antigamente era considerado crime, um atentado à moral. Hoje, não mais. Assim como a eutanásia, que hoje em muitos lugares é considerado um direito do homem.
Hoje a moral preza a cultura dos direitos do indivíduo. Por exemplo, a devoção a Pátria deixou de ser um valor ensinado nas escolas. Isso evita os exageros causados pelo fanatismo, pela exaltação ao nacionalismo e os ideais revolucionários, que trouxeram tantas mortes e crimes em seu nome.
A modernidade sacrificava o presente em função do futuro. Pensava-se lá adiante. Hoje preza-se o hoje.
Mas existem duas vertentes lado a lado:
De um lado a solidariedade, a fraternidade        X             de outro um colapso da moral
Antigamente a moral era disciplina nas escolas. Os professores ensinavam os imperativos da moral. Era uma moral racional, que era contrário a emoção.
Hoje vivemos uma moral emocional. Temos um sistema que apela para a emoção. Uma lógica da moral totalmente diferente. E a mídia tem seu papel nesta questão.
Ele citou como exemplo a questão da tragédia do Haiti. O fato de o mundo todo se mobilizar para ajudar pessoas que nem conhece, depois de uma tragédia, não é uma questão de educação, de moral racional, ensinada na escola. Se trata de uma moral midiática e emotiva. Acompanhamos o sofrimento pela televisão, nos comovemos, e resolvemos contribuir com um cheque depositado na conta tal, e pronto, fiz minha parte, já posso dormir tranqüilo.
Ele chamou isso de moral indolor. Moral a La carte.
Aqui nos deparamos com um paradoxo: o indivíduo se diz individualista, mas, bombardeado pela mídia, é incentivado a pensar no outro.
Sendo assim, o individualismo, ao contrário do pregam os radicais e a igreja, não é egoísta!
O sociólogo fez três observações sobre a natureza da ética na sociedade hiper-moderna:
1) Individualismo é complexo; segundo a linguagem do Papa, o individualismo é egoísta, egocêntrico; eu sozinho, eu domino; a seca do coração; o homem fechado em sim mesmo. Isso prega o catolicismo. Mas Lipovetsky não acha isso verdadeiro. O egoísmo pode ser uma das vertentes do individualismo, mas não é sua essência. Na sua opinião individualismo significa a escolha do indivíduo; um indivíduo não mais baseado em outra instituição. Ele defendeu que nunca antes na História houve tanta preocupação com o meio ambiente e com as questões da humanidade. Citou como exemplo a questão do voluntariado. Claro que cada vez mais existe o culto ao corpo, a solidão, o culto a si mesmo, mas também há um aumento crescente de movimentos de caridade, fraternidade, voluntariado. A individualização permite um comportamento ético desde que não seja uma obrigação.
2) Outra observação foi com relação ao exagero da tendência ao ceticismo moral e ao relativismo. A todo momento parece que nosso mundo está envolvido ao que Max Webber chamou de politeísmo dos valores. Dessa forma todos teríamos nos tornado filhos de Nietzche. Isso pode ser uma realidade em algumas filosofias, mas não é uma realidade social. Existe sim uma pluralidade da moral. Hoje existem vários pontos-de-vista sobre uma determinada questão ou fato. Citou a questão da união homosexual, das barrigas-de-aluguel, da inseminação, dos abortos... cada sociedade vê de uma maneira.  Claro, há uma base de valores que continua sendo comum a maioria: pedofilia, escravidão, assassinatos, mutilação infantil, são questões consideradas abomináveis na maioria das sociedades. A moral não tem mais soluções prontas. Ele acredita que hoje os valores humano são mais fortes do que na época das grandes guerras, em que havia uma instituição que repassava os imperativos da moral, e que não conseguiu evitar movimentos como Nazismo, Fascismo, Totalitarismo. Hoje ocorre o avanço da democracia.
3) Lipovetsky fez observações também com relação a sexualidade. De um lado o incentivo ao prazer, ao erotismo; basta acessar a web e temos um bombardeio de ofertas sexuais. No entanto não estamos vivendo uma anarquia sexual. Foi realizada uma pesquisa na França com homens e mulheres com mais de 25 anos, e eles disseram ter tido entre 14 e 16 parceiras sexuais até então, e as mulheres disseram entre 2 e 5. Sabemos que os homens sempre aumentam suas respostas e as mulheres diminuem, então a média não seria muito grande. Isso significa que estamos muito longe de viver uma orgia sexual como divulgam as mídias. Todos os excessos são extremamente minoritários. Isso é puro sensacionalismo. Pura especulação midiática. E o que trava a liberdade sexual são os próprios valores individualistas; nós queremos agradar os outros, queremos ser aceitos, queremos ser bem-vistos.
Agrade ao Papa ou não, o individualismo trava o individualismo. Não é a moral que diz que não devemos fazer amor com todo mundo, são meus próprios valores, minhas próprias escolhas do que quero ou não para minha vida que freia minha decisão.
Existe uma vertente individualista irresponsável, cada um por si, o chamado “Eu depois do Dilúvio”; vemos a todo momento exemplos deste tipo. Mas também existe o individualismo responsável, não de maneira sacrificial, mas que ajuda, que se emociona com as tragédias do outro; nesse caso há limites, os seus próprios limites, impostos por si próprio.
O sociólogo disse que há um conflito entre estes dois individualismos. Mas que não devemos “diabolizar” o individualismo como um todo, somente o individualismo irresponsável. Aqui deve-se iniciar uma nova cultura de educação.
A educação moral hoje ganha mais com a questão emocional. Deve ser uma educação baseada nos exemplos, nos romances. Mostrar o que é certo e o que é errado de forma emocional; criar um sentimento moral.
A ética está longe de ser suficiente para acabar com os problemas do mundo. Nós tratamos o mal mas o mal ressurge. Não podemos confiar exclusivamente na educação moral para nos fazer avançar rumo ao melhor.
Lipovestky citou como exemplo a Ecologia: vimos uma quantidade de denúncias e amostras de problemas ambientais, mas só isso não vai resolver o problema. O que vai resolver é o avanço da tecnociência ambiental, o surgimento de novas políticas ambientais.
Como outro exemplo citou a droga: não é uma guerra de morte contra a droga e contra os traficantes que vai diminuir o problema.
A política e a economia sem a ética vira um inferno. Mas a política baseada somente na ética leva a todos os problemas que conhecemos; leva a uma política frágil.
Nossa época requer uma ética do meio-termo. Fazer recuar o individualismo irresponsável e avançar o responsável. Não conseguiremos isto só com ética, mas sim com a inteligência do homem, ou seja, com o investimento na educação.
Lipovetsky citou a máxima “A verdadeira moral zomba da moral”, de Pascal.
Precisamos de uma solidariedade maior sim, mas precisamos de investimento maior na inteligência dos homens, na formação dos homens, principalmente na educação de primeiro e segundo graus; lá no início da construção do indivíduo.
Lembramos que não é uma moral racional, é uma moral de emoção. Uma moral não obrigatória e indolor.
Perguntado sobre a questão da moda na contemporaneidade, qual o papel dela na ética contemporânea, Lipovetsky respondeu que a moda não é uma forma de resolver os problemas da moral e nem é exemplo, modelo de moral. A lógica da moda segue a lógica do comércio, do consumo; não tem limites e é efêmera, o contrário da lógica da moral. A moda não é um mal absoluto, mas também não é o bem. A lógica da moda segue a ideologia do prazer, do gozo, do totalitarismo. A lógica da ética segue o contrário. Mas a moda pode ajudar quando lembramos que devemos usar a emoção através da arte, da literatura, da cultura em geral, incluindo a moda, para ensinar a moral e a ética na educação e na formação dos homens.
Para outra pergunta sobre a comparação entre modernidade e hiper-modernidade ele diz que a primeira rejeitava as identidades individuais, enquanto que a segunda reacende esta questão; a busca das identidades, das culturas regionais frente a globalização existe e muito hoje em dia.
Não tomamos os discursos como a realidade da sociedade. Aristóteles acreditava no meio-termo e que os extremos não são bons. Precisamos de prudência. A ciência tem um lado bom e um lado ruim, mas sem a ciência não avançamos. Devemos achar um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento sustentável, claro com uma nova consciência do consumidor.
As correntes radicais não acreditam que isso seja possível, mas Lipovetsky disse que acredita que sim. Acredito na máxima de que a ciência torna possível o impossível. Devemos buscar o comedimento.
E para a pergunta se estamos vivenciando uma feminilização do indivíduo, já que estamos vivendo em uma época emocional e a emoção é uma característica feminina, o sociólogo diz que esta é uma questão muito ampla: há dois individualismos, claro. Um masculino e um feminino, mas os princípios são iguais a ambos. Não podemos ir longe demais ao assumir a feminilização da sociedade. Mas tem uma questão que o homem deveria aprender com a mulher que é a seguinte: a mulher busca incessantemente a busca do equilíbrio entre a vida privada e a vida profissional e o homem, geralmente, se dedica a uma dessas vertentes. Há uma sabedoria nisso, e o homem deveria copiar isto da mulher. Quanto a feminilização da cultura: sim e não. O consumo é mais feminino, o design está mais feminino, o machismo acabou, tudo indica uma feminilização cultural, mas o fato de que hoje as mulheres assumiram cargos e tarefas que antes eram exclusividade masculina, faz com que ela também se torne mais masculina. Então há dois pontos-de-vista. Tem que existir o equilíbrio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário